“O anjo que acompanhava Luiz Gonzaga hoje me acompanha”

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gilbertofirmino (5)O instrumentista, cantor e compositor, Pinto do Acordeon, nos recebeu em seu apartamento, na beira-mar do bairro de Intermares, em Cabedelo. Natural do município de Conceição, Pinto nasceu Francisco Ferreira Lima, no Vale do Piancó, na Paraíba, em 1948. Interessado pela música desde a infância e aficionado por acordeon, instrumento que o tornou conhecido, ganhou fama ao fazer parte das apresentações da trupe de Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”. “O anjo que acompanhava Luiz Gonzaga quando ele tocava sua sanfona, hoje me acompanha”, disse Pinto, sem esconder a emoção.

Com mais de 20 álbuns gravados em seu nome e já tendo composto músicas para Elba Ramalho, Dominguinhos, Fagner, Genival Lacerda e os Três do Nordeste, Pinto emplacou uma de suas canções na novela Tiêta, da Rede Globo de Televisão, o sucesso “Neném Mulher”. Em 2008, apresentou-se no Festival de Montreux, na Suíça, junto com outros artistas brasileiros, entre os quais Gilberto Gil, Elba Ramalho, Milton Nascimento, Chico César e Flávio José.

A história do músico sertanejo também é contada em um DVD, que reúne mais de 52 artistas sanfoneiros, intitulado O Brasil da Sanfona, dirigido pelo cineasta Sérgio Roizenblit. “Minha música é minha vida. Se você quer saber do que eu mais tenho saudades, eu te digo que hoje eu tenho saudades de mim, por saber que terei de partir um dia para deixar de fazer o que eu tanto amo”, completou.

Entrevista – Pinto do Acordeon, cantor, compositor e homenageado no São João Pra Valer

Como começou a sua história com a música?

A minha história com a música começou quando eu terminei de fazer o quarto ano primário, porque lá na minha terra não tinha ginásio. Foi aí que começou minha história com a música. A gente fazia admissão, nome que se dava na época e não tinha o que fazer. Então eu tinha que procurar uma profissão. Testei a profissão de mecânico, marceneiro e sapateiro. Comecei a tocar pandeiro, zabumba, triângulo. Aí, quando o sanfoneiro dava uma brecha, eu pegava a sanfona. Mas cadê dinheiro pra comparar a sanfona?  Isso eu já estava com 12 anos. Daí pensei: tenho que aprender uma profissão. Meu pai pobre, padeiro, o que ele ganhava só dava pra gente comer. Na minha infância eu não pensava em ser moleque de rua. Eu só pensava em trabalhar e ganhar meu dinheiro. Eu via meu pai trabalhando e se sacrificando, então eu disse pra mim mesmo: eu vou ser homem!pintodoacordeon_foto_gilbertofirmino (2)

Pra comprar uma sanfona pra mim eu tive que trabalhar porque meu pai não podia comprar. Juntaram meu padrinho, Antônio Gomes, minha avó, que vendeu todas as suas galinhas, e compraram minha sanfona. Três meses depois eu comecei a tocar por aí, em fazenda, em sítio, em casamento, isso já com 14 ou 15 anos. E hoje eu estou aqui, Pinto do Acordeon, dando entrevista pra vocês.

Você tocou com Luiz Gonzaga. O que você pode contar pra gente dessa época?

Eu conheci Luiz Gonzaga numa festa universitária, em Patos. Eu estava tocando a noite nordestina: o baile. À meia-noite ele ia fazer o show, a convite de um amigo meu, dono do Fumo do Bom. Quando ele chegou, ficou me ouvindo cantar e cruzou os braços, cochichando. Quando acabou o show, eu fui perguntar ao meu amigo o que ele tanto cochichava, se ele tinha gostado do show. E me disseram que Gonzaga disse: – “quem é esse que quer tomar meu pão?”.

Meu amigo disse a ele: “Seu Luiz, esse rapaz chegou do Vale do Piancó, você devia dar uma força ele”. Quando eu entrei, ele estava colocando o chapéu de couro e o gibão pra começar o show. Fui entrando com a sanfona preta e ele me chamou. “Sujeito, venha cá!” Eu gostei de você. Você tanto é bom de fole, como é bom de bico. Agora, eu não gostei dessa sanfona preta. Vou te dar uma sanfona branca. Já pensou se faltar energia? Ninguém vê sanfona, ninguém vê você.

E nós ficamos amigos desde aquela época e viajamos muito por este Nordeste. Eu e o ‘véi’ Gonzaga.

Verdade que você já apanhou porque foi assistir ao show de Luiz?

Verdade! Meu pai foi ao Recife em um carnaval e viu um cinturão com os dizeres “Deus te guie”. Já veio pra casa com o cinturão na mão. Quando ele chegou, viu o mato grande lá na roça e o milho já estava amarelando. Nesse mesmo dia, Luiz Gonzaga foi fazer um show em Conceição, no Grupo Escolar José Leite e eu, além de um monte de meninos, ficamos olhando do telhado. No fim do show, Gonzaga disse: “Olhe molecada, amanhã vou fazer um show na praça só pra vocês que não podem pagar”.

No dia do show meu pai disse: “Pinto, vá limpar o mato com seu irmão, senão o mato come o roçado” Quando eu cheguei perto da porteira, pensei: “Vou nada!” E fui pro show na praça. E meu irmão dizendo: “Pinto, pai vai matar a gente”.

Mas eu não tinha medo de apanhar pra ver Luiz Gonzaga. Levo essa surra é sorrindo. Então, fui e quando cheguei em casa, disse a (meu) pai que não limpei o mato e apanhei. Foram cinco meses apanhando com “Deus te guie” nos “pinhaço (sic)”. Contei isso ao ‘véi Gonzaga’ e ele disse: “bem feito, pra não desautorizar seu pai”.

O que influenciou sua música?

pintodoacordeon_foto_gilbertofirmino (4)Luiz Gonzaga sempre foi o meu espelho. O espírito que baixava nele, eu creio que baixa em mim também. Quando eu subo no palco, depois que abro o fole, vem um espírito sobre mim. Um jornalista da Folha de S. Paulo uma vez me disse – eu não sei se ele é médium, vidente, eu não sei – ele disse que quando me viu em Monteux, na suíça, me apresentando em um Festival, viu uma luz branca sobre mim, com um chapéu de couro que me iluminava. Ele me disse que sou uma pessoa determinada por Deus pra ser o que sou.

O que o são João representa pra você?

Ah, o são João é tudo. Eu devo tudo a São João do carneirinho. Quando chega essa época do ano meu coração se abre pra alegrar o povo. A gente se recorda de muita coisa boa que passou com a gente no São João. É uma festa de recordações. Coisas que passei no Dia dos Namorados, do noivado. (…) O ‘cabra’ fica mais corajoso depois de tomar quentão. Tive coragem de pedir a menina em casamento. São João é festa de muito amor e confraternização.

O que te dá mais saudade?

O que me dá mais saudade? (Longa pausa emocionada) Eu já tô com saudade de mim quando eu morrer. Nada mais. O artista não morre!

O forró mudou muito?

O forró não mudou uma polegada. Muita gente faz uns arranjos por aí e diz que é forro, mas não é porque ele é muito forte. O forró vem do vaqueiro, do sertanejo. De uma noite de fome numa seca de três, quatro anos. O forró vem daí. De muito sofrimento. O forró que Jackson do Pandeiro cantava tinha que ter força na língua.

Como o senhor recebeu a homenagem prestada neste São João?

Esse ano vai ter bolo, vai ter tudo. É um lindo gesto da Prefeitura de João Pessoa ao homenagear a mim estando vivo, para comer bolo na minha festa.