Vozes da Infância controla ansiedade antes da estreia de “Carmina Burana”

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coral_vozesdainfancia_foto_Saulo Portokalos (4)A singular afinação infantil que, quando entoada em conjunto, enche o ambiente em dias de apresentação do Coral Vozes da Infância, provocando inevitável encantamento por onde quer que passe, reflete um consistente trabalho multidisciplinar por trás. Na preparação das crianças e adolescentes cantores na atividade que está ajudando a projetá-los, de acompanhamento pedagógico a monitoramento da saúde bucal, tudo entra na conta de uma boa performance.

As 40 crianças e adolescentes que compõem o projeto Vozes da Infância vão participar do concerto de abertura do II Festival Internacional de Música Clássica, no próximo domingo (30), às 18h, no Espaço Cultural. Cantando “Carmina Burana”, de Carl Orff, eles acompanharão a Orquestra Sinfônica Municipal de João Pessoa, intercalando passagens com o coral adulto “Em Canto”, da Universidade Federal de Campina Grande. Na obra, os meninos farão uma entrada solo na ária “Amor VolatUndique” e depois, com os solistas Wladimyr Carvalho, Paulo Mestre e Gabriella Pace, em “Tempus et Iocundum”.

Para muitos, é a primeira oportunidade de estar lado a lado de uma orquestra. “Estamos muito ansiosas, ensaiando o todo tempo, até no chuveiro”, confessa Vitória Duarte, 12 anos, que junto com a irmã, Gabriela, de 16, adota uma rotina saudável e abre mão dos excessos em nome de uma voz límpida. “Evitamos gelado, comidas gordurosas e fazemos aquecimento de voz e de corpo”, ensina a mais velha, Rafaela, de 16.

As técnicas são um casamento entre o jogo cênico, que é a primeira etapa na absorção dos novos coristas a partir das escolas, e a preparação corporal: “A gente começa a desenvolver o trabalho de consciência postural e utiliza o teatro e as brincadeiras infantis para favorecer a desenvoltura, o foco e a concentração com a ajuda de dinâmicas”, explica Soraia Bandeira, a preparadora vocal.

“Todo este preparo é essencial para imprimir concentração e regular a disciplina, ainda mais em músicas de alto grau de dificuldade cantadas em latim, aramaico, francês, inglês e até em dialetos africanos”, diz o maestro assistente, Kleiton d’Araújo. Pelo Vozes já passaram 300 crianças.

O projeto, inicialmente, seria uma ação complementar da Escola Municipal de Artes – Casa das Artes, voltado para a formação continuada. Mas criou raízes e se expandiu por 18 escolas da rede pública municipal, beneficiando notoriamente as regiões mais carentes. “A integração de novos coristas tanto parte da escola interessada em inscrever, quanto do coral, quando abrimos vagas”, diz a coordenadora geral, Amélia Nóbrega. São asseguradas pela Prefeitura de João Pessoa condições como transporte, figurino, alimentação, além das aulas de técnica vocal, musicalização e teatro.coral_vozesdainfancia_foto_Saulo Portokalos (3)

O coral adota a metodologia KodályManossolfa e Dalcroze de aprendizado, para a qual o instrumento mais natural de educação musical ligada à cultura é o canto. Enquanto o Conventinho aguarda reforma, os ensaios são realizados na Estação das Artes às terças, quintas e sextas, das 13h30 às 16h30. As inscrições para novas turmas são abertas a cada início de semestre, gratuitamente.

Tentativa e erro – Por quanto tempo é preciso trabalhar uma criança até que ela se torne corista e esteja pronta para enfrentar os palcos? “É um processo. Acompanhamos o passo a passo de cada criança, registrando a sua evolução. Houve coros que bastaram três meses e estava pronto”, orienta Amélia. “Mais do que tudo, é preciso entender que esta é uma fase de aprendizado. Se a criança erra, trabalhamos a sua autoestima, pois este é o combustível fundamental no coral. Uma criança motivada certamente terá um desenvolvimento maior”, reflete.

A irrefreável contingência do tempo impõe a sensação de transitoriedade – o que as crianças tentam afastar depois que se apegam às atividades. É quando elas encaram a fase dos 13, 14 anos, lidam com os hormônios em alta e a voz acaba saindo do tom. É a hora do desapego – e é aí que entra o apoio psicológico. “A gente tenta manter todos os coristas, mas eles mesmos percebem que estão entrando na maturidade e não alcançando as notas mais altas”, lamenta a psicóloga Liuba de Medeiros.

Como a semente já está plantada, muitos continuam na música mesmo sem se envolver mais com o canto: Maria Rita, 13 anos, e Daniel, de 14, fizeram parte do Vozes da Infância por dois anos e hoje tocam violino na Escola de Música Anthenor Navarro e na Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba. “Com a música eles conquistaram disciplina, atenção e melhores notas na escola”, enumera a mãe, a funcionária pública Rosane Ribeiro. “É muito bom observar que a música caminha com eles, mesmo em outros projetos. O coral foi a gênese da motivação pela arte que os vai acompanhar pela vida”, diz Ingrid Trigueiro, a coordenadora pedagógica.