PMJP disponibiliza cirurgias reparadoras para mulheres vítimas de violência
Ana Paula dos Santos tinha 21 anos quando sofreu um golpe de faca que deixou marcas profundas no corpo por seis anos. O agressor, seu então marido, não parou no primeiro ataque e no decorrer de um ano fez novas cicatrizes em Ana Paula. Vítima de violência familiar, ela faz parte de uma triste estatística: no ranking da violência contra a mulher, João Pessoa é classificada como a segunda cidade mais violenta do país, de acordo com o Instituto Sangari.
Para diminuir o sofrimento dessas mulheres, a Prefeitura Municipal de João Pessoa, através da Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para Mulheres (SEPPM) oferece desde o ano passado um serviço gratuito de cirurgias reparadoras para vítimas de violência doméstica. Em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o programa já atendeu cinco mulheres, entre elas Ana Paula, livrando-as definitivamente das cicatrizes que as marcavam não só fisicamente, mas psicologicamente.
Além disso, a PMJP possui o Centro de Referência da Mulher Ednalva Bezerra, que integra a rede de atendimento a mulheres vítimas de violência em João Pessoa. Até julho deste ano, o CRM realizou 166 novos atendimentos presenciais de mulheres e 75 por telefone, através do número 0800 283 3883. O serviço também oferece acompanhamento psicológico, terapia holística e orientação jurídica, que gera, em média, 40 atendimentos diários no CRM.
No início do ano passado, Ana Paula dos Santos procurou o CRM e resolveu por fim a um capítulo trágico da sua história. Depois de receber acompanhamento psicológico, iniciou o tratamento para retirar as cicatrizes do corpo. Eram várias. Passou por três cirurgias, a primeira delas em outubro do ano passado. As quelóides que resultaram das agressões cometidas pelo ex-marido com armas brancas estavam presentes em várias partes do corpo, especialmente entre o seio e o tórax.
A vítima conta que as agressões começaram no último ano do casamento, em meados de 2006, depois que o ex-marido se tornou usuário de drogas. Neste período, ela morava em São Paulo com os dois filhos. Para fugir do companheiro, resolveu deixar São Paulo e voltar para a Paraíba.
“Fomos casados por oito anos. A gente se separou um ano depois que ele começou a me agredir, tentei continuar em São Paulo por seis meses, mas ele vivia me perseguindo. Então a minha mãe me ajudou a voltar pra cá”, conta. Na época, Ana Paula chegou a registrar boletim de ocorrência contra o marido, mas o processo nunca andou. “Ele foi preso um tempo depois por outras razões e então eu entrei com o processo de divórcio. Hoje tenho vontade de voltar para ver um dos meus filhos, que ficou lá com a avó, e também para tentar a vida mais uma vez”, disse Ana Paula, que trouxe apenas a filha quando veio morar em João Pessoa.
Novo ânimo – O resultado das cirurgias deu novo ânimo a Ana Paula para reconstruir a vida. Embora não viva traumatizada com o que aconteceu, ela conta que a cirurgia foi importante para voltar a ter uma vida completamente normal. “Eu não tenho trauma de homem, talvez de apanhar, mas não de homem. As marcas me incomodavam muito. Algumas delas tinham a espessura de um dedo, marcavam as minhas roupas e me privavam de usar uma roupa de renda, uma blusa branca ou um decote”, comemora.
Ao falar das agressões, Ana Paula não esconde o rosto e diz que espera que o seu caso sirva de exemplo para que outras mulheres saiam do ciclo de violência em que vivem. “Muitas mulheres não são independentes e se submetem a isso porque dependem do companheiro. Elas precisam saber que são capazes de viver sem eles, ter uma vida em paz, mas que precisam ter força, trabalho e vontade de correr atrás da sua independência financeira”, aconselha.
Serviço pioneiro – De acordo com a titular da SEPPM, Socorro Borges, o programa de cirurgias reparadoras da PMJP é pioneiro no país. “O Hospital das Clínicas também oferece cirurgias reparadoras, mas as mulheres entram no contexto geral, junto com pacientes vítimas de queimaduras, acidentes de trânsito, enfim, situações diversas que deixaram marcas. O serviço implantado no município de João Pessoa é o único no Brasil específico no atendimento a mulheres, com uma equipe integrada, preparada, sensibilizada e capacitada na abordagem, no acolhimento a partir do Centro de Referência da Mulher (CRM) até o Hospital Santa Isabel, que compreende o que isso significa na vida das mulheres”, disse Socorro Borges.
A secretária ressaltou a importância de um atendimento especializado às mulheres vítimas de violência familiar. “É preciso tempo para elaborar isso, romper o ciclo da violência, por isso é primordial que essa vítima seja atendida no CRM, receba acompanhamento psicológico, supere outras marcas, reorganize sua vida, se insira ou reinsira no mercado de trabalho, até chegar ao momento da cirurgia, o momento em que elas se olham e dizem: agora quero ter esse direito que essa marca física seja também retirada”, frisou.
Prioridade – As mulheres que residem em João Pessoa são beneficiadas prioritariamente com o serviço de cirurgias reparadoras e devem comprovar que residem no município de João Pessoa. Elas também precisam comprovar através de um documento oficial – neste caso o boletim de ocorrência – que as sequelas são consequências das agressões sofridas. A coordenadora do CRM, Liliane de Oliveira, destaca que a denúncia é necessária para que o serviço não seja distorcido e apenas mulheres vítimas de violência sejam beneficiadas com o programa de cirurgias reparadoras.
As mulheres também precisam ser encaminhadas pelo Centro de Referência da Mulher Ednalva Bezerra, serviço da rede municipal que acompanha e fornece apoio e assistência a mulheres em situação de violência. A partir do encaminhamento do CRM, elas são atendidas no Hospital Santa Isabel, onde recebem acolhimento de uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, ginecologistas, fisioterapeutas, cirurgiões gerais e cirurgiões plásticos.
Atualmente, duas mulheres atendidas pelo CRM iniciaram o tratamento para a retirada das cicatrizes. Elas estão recebendo atendimento psicológico no Centro e realizando exames iniciais.
Números – Dados sobre a violência contra as mulheres mostram que nos últimos 30 anos, 92 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, o que coloca o país em sétimo lugar no ranking de assassinatos em todo o mundo. Os números divulgados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher mostram que o Brasil tem uma média de 4,6 homicídios por 100 mil vítimas do sexo feminino.
O Mapa da Violência 2012 também revela que a Paraíba está em sétimo lugar do ranking nacional de homicídios femininos, e João Pessoa é a segunda entre as capitais brasileiras no ranking da violência contra as mulheres.