‘Vozes da Infância’ ensina música e muda a vida de crianças e adolescentes

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Aos 10 anos de idade, o estudante João Victor Ferreira já tinha o sonho de ser artista e trabalhar no meio musical. Mas, filho de pais desempregados e o mais velho de sete irmãos, o sonho parecia muito distante da realidade que lhe rodeava. Foi quando surgiu a oportunidade de fazer parte do Coral Vozes da Infância, há dois anos. João Victor não titubeou: fez a inscrição e, cheio de curiosidade e excitação, teve o primeiro contato real com a música.

Assim como ele, outras crianças e adolescentes cheios de sonhos e sem muitas oportunidades encontraram no coral um caminho para lutar por seus objetivos. Para esses jovens, muitos deles inseridos em realidades sociais difíceis, participar do coral vai além de fazer arte. A experiência permite que eles construam uma visão deferente do mundo e transformem sonhos em possibilidades reais.

“Antes de começar no coral, eu já tinha vontade de cantar e de ter meu violão, mas isso parecia impossível. Agora que sei que posso, meu objetivo é ser um bom músico e comprar uma casa”, revela João Victor, que conheceu o coral por meio da professora de educação artística de sua escola.

Atualmente com 12 anos, ele é um dos destaques do grupo, mas precisou enfrentar alguns obstáculos para conseguir se estabelecer no coral. Ainda nos primeiros meses, a mãe dele, Josefa Francisca Ferreira, pensou em afastá-lo do coro por estar enfrentando dificuldades financeiras. Ela conta que não tinha mais condições para manter alguns gastos básicos.

“Houve momentos em que eu me vi muito estressada e disse que ele não ia mais. Eu estava sem emprego, ele não tinha roupa para ir aos ensaios e eu não tinha como comprar”, recorda. Segundo ela, os problemas já estavam prejudicando seu filho na escola.

Mas esse foi um dos obstáculos superados na vida da família de João Victor. Por intermédio da coordenação do coral, Josefa conseguiu um trabalho como merendeira numa escola da rede municipal, o que possibilitou a permanência do menino no coro.

João Victor considera a música o dom mais importante que ele descobriu, pois foi, além de um encontro artístico, uma forma de ajudar a família. “A gente passou muita necessidade. Às vezes a minha família não tinha nem um prato de alimento, e a música me ajudou a passar por tudo isso”, lembra, emocionado.

Novos caminhos – João Victor não é o único que precisou superar dificuldades para se manter firme no Coral Vozes da Infância. Larissa Kátia, 14 anos, passou a integrar o coral no final do ano passado, sem grandes convicções. No início, a menina não se mostrava interessada em aprender, pois não acreditava no trabalho e nem no próprio potencial.

Segundo conta, só aos poucos ela percebeu a importância de fazer parte do projeto – e, a partir de então, começou a traçar objetivos para sua vida. “Antes de entrar no coral eu não tinha um sonho. Não pensava no que ia fazer quando crescesse e nem tinha incentivo para isso. Agora estou encontrando um caminho”, diz.

O coral também ajudou Larissa a desenvolver o gosto por instrumentos musicais, como a flauta doce, que ela já sabe tocar, além de violino, violoncelo e flauta transversal. “Quero tocar todos!”, empolga-se. Desde que cantou com a Orquestra Sinfônica da Paraíba, a menina sonha em fazer parte da equipe de músicos.

A aptidão para outros instrumentos é uma característica que se desenvolveu também em outros integrantes do coral, como Daniel Augusto Lira, de 12 anos. Quando pequeno, ele queria ser astrônomo, mas ao ingressar no coral viu que novas possibilidades se abriam. “Tenho vontade de seguir carreira musical, seja cantando, tocando violino ou até mesmo compondo”, diz.

A vida com a música – Em dois anos de contato com a música, as crianças percebem que estão diferentes, tanto do ponto de vista artístico quanto pessoal. A preparadora corporal e vocal das crianças, Soraia Bandeira, destaca Larissa Kátia como um exemplo de como essas mudanças podem acontecer. “Ela ficava rindo durante os exercícios, sempre brincando. Com o passar do tempo, alguma coisa a fez despertar e hoje ela é concentrada e disciplinada”, conta.

Para os integrantes do coral, a recompensa de todo o esforço é o momento de estar no palco. “A música, para mim, significa superação. Aquilo que aprendemos se concretiza quando subimos no palco. Nesses momentos, sinto um arrepio de emoção”, diz Larissa.

O coral – O coral Vozes da Infância se formou em outubro de 2010 e realizou o primeiro concerto em dezembro do mesmo ano, com cantatas natalinas na Igreja São Francisco e no Busto de Tamandaré. O projeto é desenvolvido pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), por meio da Secretaria de Educação e Cultura (Sedec), com o objetivo de incentivar o canto coral e oferecer um curso de formação continuada.

O grupo é composto por aproximadamente 30 crianças e adolescentes com idade de 7 a 17 anos, com ensaios três vezes por semana – às segundas, quartas e sextas-feiras – no Casarão, localizado na Praça Dom Ulrico, Centro da Capital. Inicialmente, o grupo ensaiava no Paço Municipal.

Além dos regentes Elias Moreira e Hélio Medeiros, a equipe técnica do coral conta com o maestro João Linhares, a preparadora vocal Soraia Bandeira e a psicóloga Liuba Medeiros. Todo o trabalho é coordenado por Amélia Nóbrega e Luiz Carlos Vasconcelos.

Rotina – A rotina das crianças é intensa, pois todas estudam durante o dia e algumas ainda fazem outras atividades artísticas, além do coral. Nos dias de ensaio, três ônibus fazem o transporte delas, de casa ou da escola, até o Casarão, e depois as levam de volta para casa. Mas todo o trabalho só começa após o jantar, que elas recebem nos dias de ensaio.

Amélia Nóbrega diz que é preciso que as crianças tenham força de vontade para seguir com o grupo. De acordo com ela, o critério para entrar no coral é, antes de tudo, interesse. “Saber cantar é secundário; o principal é a vontade de aprender”, diz.

De acordo com os coordenadores, o projeto não objetiva apenas incluir socialmente crianças e adolescentes por meio de uma atividade artística, mas também desenvolver neles a arte com conteúdo. “Temos a visão de que é preciso instrumentalizar essas vozes”, ressalta Amélia.

O Vozes da Infância estimula a disciplina fora dos ensaios, já que é exigido bom desempenho na escola para que elas continuem no projeto – e como eles querem continuar cantando, também se dedicam às atividades escolares. “Além disso, estamos sempre em contato com os pais e os diretores, para saber como está o andamento deles na escola”, acrescenta a coordenadora.

Desafios e aprendizados – O aprendizado dentro do coral não se limita aos integrantes, mas se estende também aos coordenadores e orientadores, que dizem extrair lições a partir da história de vida de cada uma das crianças. Para eles, é uma recompensa observar o desenvolvimento desses jovens na música e na vida.

Para Soraia, o fator mais gratificante de seu trabalho é acompanhar o crescimento do grupo. Ela diz que o mais interessante é ver o desenvolvimento e a mudança de casa criança na medida em que assistem às aulas, aproveitam o que está sendo ensinado e, aos poucos, mudam a postura de articulação com a vida.

Segundo ela, uma das maiores dificuldades na orientação do grupo é conseguir lidar com os problemas específicos da infância e da adolescência, além da realidade social de muitos deles. Ela destaca que, por isso, é importante ser flexível com as crianças. “Neste momento, a equipe deve dar apoio e mostrar um caminho para eles”, diz.

Já o regente Elias Moreira destaca, entre as diversas dificuldades que encontra em seu trabalho, o fato de eles terem partido do zero, com crianças que jamais haviam cantado em grupo – e muito menos com aquele nível de exigência. “A pessoa jamais deve deixar de enfrentar os desafios pensando que não vai atingi-lo.”

Para Luiz Carlos Vasconcelos, o maior desafio é direcionar os jovens e afastá-los dos riscos que os problemas sociais podem trazer, além de garantir que permaneçam cantando. “Temos de envolver essas crianças e fazer com que a vida delas tome outro rumo. Se, de alguma maneira, o coral Vozes da Infância ajudar na vida desses jovens, já será um ganho muito grande”, conclui.

Trabalho social – Além de um vasto currículo em circo, teatro, cinema e televisão, o ator Luiz Carlos Vasconcelos também desenvolve um trabalho social. O Coral Vozes da Infância e a Escola Piolin, criada por ele e outros artistas em 1977, em João Pessoa, são dois exemplos de projetos sociais que se dedicam ao direcionamento de crianças em atividades artísticas. Além de ser sede de seu grupo teatral, a escola realiza um trabalho de educação popular.

Já o projeto da Escola das Artes, do qual o Coral Vozes da Infância é parte integrante, foi idealizado pelo ator em 2007. O próximo passo do grupo é percorrer as igrejas e escolas que tenham corais para descobrir novos talentos e contribuir para mudar a vida de outros jovens. Ele acredita, porém, que a sociedade pode fazer mais. “O que extraio disso é que, no final das contas, nós ainda fazemos muito pouco”, diz.