A dura rotina e os sonhos de quem trabalha no controle urbano de João Pessoa
O despertador de Luiz Henrique dos Reis, 29 anos, alarma às 5h, avisando que já é hora de se levantar e encarar mais um plantão de 12 horas de trabalho. Ele se arruma, toma café, deixa a esposa no trabalho e segue para o serviço, de Mangabeira ao Centro de João Pessoa. Quando sai, faz questão de acordar a filha para dar um beijo de bom dia, pois sabe que ela estará dormindo quando ele voltar no fim do dia.
Num outro canto da cidade, numa casa simples localizada no Conjunto Nova República, no bairro do Geisel, outro pessoense também se levanta cedo da cama para trabalhar. Vítima de uma inflamação crônica na visão, Paulo Santos da Silva, 47, não consegue mais enxergar com o olho esquerdo, mas faz questão de cumprir sua função, argumentando que se sente vivo e útil quando está em serviço.
Além de humildade e garra para trabalhar, as histórias de Luiz e Paulo reúnem outra coisa em comum: ambos trabalham como agentes de controle urbano da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb) da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Apesar de desempenharem uma atividade digna, cumprindo diretrizes previstas pelo Código de Posturas do Município e garantindo a passagem adequada dos pedestres nas vias mais movimentadas da cidade, esses profissionais comumente são hostilizados pelo trabalho que realizam.
Apelidados de “bombados” e encarados como truculentos e intolerantes, os agentes sofrem o estigma criado por ambulantes que ocupam irregularmente o solo público e até mesmo pela própria sociedade, que muitas vezes não enxergam o ser humano por trás do profissional que faz cumprir a lei.
“Os comerciantes gritam: ‘Deixem a gente trabalhar, seus bandidos!’, como se não fôssemos também pais de família que estão trabalhando de forma honesta para garantir o alimento dos filhos”, desabafa Luiz Henrique, que trabalha no Centro de João Pessoa. Ele conta que, apesar das agressões verbais, os agentes não podem falar nada, para não criar tumulto e provocar outros tipos de agressões. “Se revidarmos com palavras, vai ser feio para a gente, e não para eles”, argumenta.
Paulo também conta que já foi alvo constante de agressões verbais vindas de ambulantes – mas garante que trata todas as pessoas com educação e respeito, o que não seria diferente em seu ambiente de trabalho. “É muito duro ser xingado, mas eu tento ignorar essas palavras e continuo realizando meu serviço com responsabilidade e dignidade. Se não fosse assim, não estaria aqui até hoje”, conta o agente, que trabalha na Sedurb há mais de cinco anos.
A partir das 7h, Luiz Henrique começa a percorrer as ruas do Centro de João Pessoa. Seu trabalho é organizar o espaço urbano, garantir a passagem adequada dos pedestres e controlar o comércio de vendedores ambulantes na cidade. A rotina só termina às 19h, e se repete a cada 36 horas.
Há dois meses, a inflamação nos olhos do agente Paulo causou algumas limitações de trabalho e o agente foi transferido para que sua saúde fosse poupada. “Meu laudo médico aponta que não posso ficar exposto diretamente à luz do sol. Hoje, trabalho no estacionamento do Centro Administrativo Municipal, em Água Fria, onde permaneço na sombra”, explica.
Hostilidade – Além de xingamentos, Paulo já chegou a ser ameaçado durante o trabalho, mas disse que, apesar do tratamento violento de alguns comerciantes, consegue manter a calma e é respeitado pela maioria dos ambulantes. “Sofri algumas ameaças quando trabalhava na base dos agentes de controle urbano. Eu era responsável pelo depósito, então toda apreensão que chegava passava por minhas mãos. Apesar de ser agredido verbalmente e ameaçado, tratava todos bem e eles acabavam mudando o comportamento em relação a mim. Chegavam brabos e saíam mansos”, relembra o agente.
Henrique relata que as agressões de comerciantes contra agentes também já ultrapassaram o limite das palavras. “As agressões verbais são constantes, mas um comerciante já tentou me bater. A Kombi utilizada nas apreensões também já foi apedrejada e ainda apresenta na lataria várias marcas de pedra”, conta.
Desafios e intervenções – O maior desafio de trabalho para o agente Paulo aconteceu quando ele cobria a área ao redor do Terminal de Integração, no Varadouro, que, além da invasão frequente de comerciantes, sofre com a influência do tráfico de drogas. “Trabalhei quatro meses naquela área e não fui hostilizado, pois sempre tratei os comerciantes com educação. Quando pedia para eles saírem, eles saíam. Mas sei que hoje aquela área precisa de intervenções mais sérias, que não podem ser desenvolvidas somente pela Sedurb”, diz Paulo, referindo-se à ação conjunta que será realizada pelo Ministério Público, a Polícia Militar e a Sedurb nos arredores da Integração.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento Urbano, Inácio Machado, a maioria dos ambulantes é formada por pessoas de bem, mas alguns se envolvem em atividades ilícitas – e aí o caso passa a ser de polícia. “Não podemos colocar a vida de nossos profissionais em risco, pois eles não trabalham armados. Por isso vamos realizar essa ação com o Ministério Público e a Polícia Militar”, explica.
Abordagem educativa – As apreensões realizadas pelos profissionais da Sedurb são frequentemente encaradas como ações arbitrárias, mas, de acordo com o diretor de Controle e Posturas da secretaria, Fernando Oliveira, o recolhimento de material irregular só é feito após repetidas abordagens dos agentes, que explicam aos ambulantes sobre a proibição de fixar pontos em áreas públicas da cidade.
“A apreensão é sempre uma ação antipática, pois ninguém gosta de ver um trabalhador perder suas mercadorias. Mas a população não sabe que, antes da apreensão, aquele ambulante foi abordado e orientado pelo menos três vezes para não permanecer parado em área pública. Alguns obedecem, outros fazem pouco caso. Os agentes de controle urbano são encarados como monstros que querem prejudicar essas pessoas, mas isso não pode servir como argumento para validar uma atividade que é ilegal e proibida”, diz Oliveira.
O agente Luiz Henrique revela que, apesar de gostar do trabalho, não fica tranquilo quando precisa abordar ambulantes ou apreender material, nos casos de reincidência. “É uma situação chata, não apenas para o comerciante, mas para o próprio agente de controle urbano. Sabemos que ali está um pai de família, que está trabalhando para sobreviver, mas não podemos permitir que esse tipo de atividade seja feita de forma indiscriminada, utilizando o solo público sem autorização”, esclarece.
Para o agente Paulo, os ambulantes só perdem mercadorias quando tentam agir com autoritarismo e não cumprem o que determina o Código de Posturas do Município. “Tem ambulante que é muito teimoso. Explicamos que ele pode vender suas mercadorias, desde que esteja circulando, e ele sai. Quando damos as costas, ele volta para o mesmo local, desafiando e tirando a autoridade do agente. Quando é novamente abordado, ele se altera”, conta.
Sonhos e metas – Como qualquer pessoa, Luiz Henrique e Paulo nutrem sonhos, mas, também como muitos, as responsabilidades do dia a dia são a prioridade na vida desses dois trabalhadores. O salário de cada um é de aproximadamente R$ 850 – e o malabarismo para fazer o dinheiro render até o final do mês é outro desafio em comum.
“Minha esposa trabalha como auxiliar de serviços gerais e, juntos, ganhamos pouco mais de R$ 1 mil, que usamos para pagar água, energia, telefone, transporte e feira, tudo para nós e nossos dois filhos, que ainda moram conosco. O dinheiro é contado, mas ganho de maneira honesta. Isso é o que importa”, diz Paulo, cujo maior sonho é ver os filhos formados.
O filho mais velho, de 21 anos, cursa Letras na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) há três anos, com muito estudo e luta. “Ele vai ser professor, mas já é um orgulho para mim”, emociona-se. O mais novo, com 19, tenta pela terceira vez passar no Vestibular para administração. “Eu só quero o melhor para eles. Tudo o que faço é para vê-los felizes”, desabafa o pai.
Os cuidados com a família também consomem boa parte do salário de Luiz Henrique. Apesar das dificuldades diárias, o agente alimenta alguns sonhos enquanto tenta dormir, após 12 horas de trabalho. “Cumpro serviço dia sim, dia não, e minha esposa trabalha numa escala de 24 horas. Tem dias que não a vejo”, conta ele, enquanto revela o sonho de um dia trabalhar para si mesmo. “É difícil lidar com as hostilidades de quem não conhece minha história. Além disso, quero ficar mais próximo da minha filha e da minha mulher”, diz.
Além do salário certo no início do mês, o agente conta que o que o mantém na profissão é o companheirismo que existe entre os colegas e a certeza de que trabalha pelo bem estar da população. “A melhor parte é o vínculo de amizade que a gente cria aqui. Sempre que um dos agentes está precisando, a gente se une para ajudar. Sem contar que, apesar da imagem que passam sobre nós, a população sente os benefícios de nosso trabalho quando consegue caminhar pelas calçadas, quando vê a cidade mais limpa e organizada”, observa Luiz Henrique.
Estrutura – A Sedurb dispõe de cerca de 120 agentes de controle urbano. Para capacitá-los e deixá-los aptos à realização do trabalho, a PMJP investe em treinamentos, orientação psicológica, cursos de especialização e avaliação prática.
De acordo com o diretor de Controle e Posturas, Fernando Oliveira, os agentes selecionados passam por um curso de formação durante o período de três meses, na Academia de Polícia (Acadepol). Lá, recebem intensa orientação sobre como abordar e tratar um vendedor ambulante que esteja ocupando um espaço urbano inapropriado.
“Não há qualquer orientação de violência e nem estímulo à truculência. Capacitamos esses agentes para que eles orientem os vendedores ambulantes a não ocupar o espaço onde o pedestre deve circular. Tudo de forma educada e pacífica”, diz Oliveira, destacando que não há implicância com os vendedores, mas apenas o cumprimento do que está determinado na Lei Orgânica do Município de João Pessoa.
Os agentes trabalham em áreas estratégicas da cidade, como a orla – em especial, os bairros de Manaíra, Cabo Branco e Tambaú –, e regiões do Centro da cidade. Dividem-se em grupos e monitoram as áreas previamente definidas pela Sedurb. Quando encontram irregularidades, eles abordam os ambulantes e os orientam a migrar para locais adequados, a exemplo dos shoppings populares mantidos pela PMJP.
Orientação psicológica – Um dos diferenciais na preparação do trabalho dos agentes de controle urbano é a orientação psicológica. Oliveira explica que essa orientação é uma forma de os agentes lidarem com a pressão sofrida no trabalho e também de conscientização sobre a importância do trabalho realizado nas ruas de João Pessoa. “Não queremos que o humor dos agentes atrapalhe nossas ações – e o acompanhamento psicológico é essencial para que nosso objetivo seja alcançado”, conclui.