Consultório na Rua leva assistência social e serviços de saúde para grupos vulneráveis

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D“Gosto quando eles vêm e cuidam de mim. Sei que posso contar com eles para o que precisar”, é o que diz o lavador de carros autônomo, Romero Silva, 48 anos, se referindo à equipe de profissionais do programa Consultório na Rua. Romero vive e trabalha nas ruas da Capital há 14 anos, mas assim como outras pessoas em situação de rua pode contar com o apoio do serviço oferecido pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP).

Com o foco na reabilitação e desenvolvido pela Secretaria de Saúde (SMS) desde 2010, o Consultório na Rua é formado por equipes multiprofissionais que realizam diversas formas de acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social, em especial pelo uso de álcool e outras drogas.

O programa é formado por 24 profissionais, incluindo enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e agentes sociais, divididos em quatro equipes, sendo duas no turno da manhã e duas à tarde. O trabalho funciona de forma continuada, em que as equipes da tarde voltam aos mesmos locais visitados pelos profissionais da manhã.

A abordagem das equipes acontece nas ruas, praças e outros locais públicos da cidade, onde os profissionais realizam as ações e serviços de distribuição de preservativo, educação em prevenção de DST/Aids, psicologia, enfermagem e encaminhamentos a serviços de atenção à saúde e assistência social.

Um dos enfermeiros do Consultório na Rua, Tiago Sotero, explica que inicialmente o programa tinha como foco apenas a política de redução de danos, levando orientações às pessoas em situação de rua. “Depois passamos a levar os serviços de saúde em si, a exemplo das medicações, os exames e os curativos”, disse.

O enfermeiro explica que os primeiros contatos são fundamentais para a formação de um vínculo entre as equipes e as pessoas atendidas pelo serviço. “A primeira conversa é para explicar a nossa proposta de trabalho, mostrando que elas podem cuidar da saúde, mesmo estando no espaço de rua”, afirmou.

Após os primeiros contatos e dependendo das necessidades das pessoas, elas são encaminhadas pelas equipes para hospitais, exames laboratoriais ou um dos centros de atenção psicossocial. “Vale ressaltar que as pessoas só são encaminhadas para os serviços se assim desejarem”, destacou.

Além dos encaminhamentos, as equipes realizam ainda oficinas de capoeira nas terças-feiras durante as visitas, incentivando a socialização das pessoas atendidas. “Chegamos aos locais, nos aproximamos dos grupos e, se eles estiverem abertos a participarem, começamos a oficina”, explicou Tiago Sotero.

Parceria- Apesar de não ser um trabalho voltado para tirar pessoas das ruas, o Consultório na Rua trabalha em parceria com outros projetos de assistência social da PMJP que podem dar direcionamento para aqueles que têm esse desejo, a exemplo do Centro Pop de Referência para População em Situação de Rua e as casas de acolhida.D

“Desempenhamos um papel de articuladores de rede. Encaminhamos as pessoas para cuidados assistenciais, como a retirada de documentos, por exemplo,”, disse Tiago Sotero, enfermeiro do programa.

De acordo com ele, o objetivo é dar autonomia às pessoas que estão nas ruas. “É importante que eles saibam como procurar atendimento numa unidade de saúde ou qual serviço procurar, de acordo com suas necessidades”, afirmou.

Assistência e incentivo – Tiago trabalha no projeto desde o início e disse que durante os quatro anos de serviço à população conheceu as mais variadas histórias de vida das pessoas atendidas. “Dentre os casos que conhecemos, os principais motivos de essas pessoas estarem nas ruas são os vínculos familiares desestruturados”, explicou.

“O uso das substâncias muitas vezes é uma consequência da situação familiar. Em alguns casos, as crianças e adolescentes preferem ficar nas ruas porque convivem com a violência dentro de casa, apanhando dos pais, ou vendo o pai bater na mãe”, comentou Tiago.

Encaminhamento – O lavador de carros Romero Silva é um dos usuários que foi encaminhado para uma casa de acolhida. Apesar de ter casa e família em Campina Grande, ele lava carros na orla de Tambaú, onde também vivia até dois meses atrás, quando decidiu ir para uma das casas apresentadas pelo projeto.

“Quando conheci a equipe eu estava delirando por causa do álcool e tinha ferimentos no pé. Eles cuidaram de mim, me levaram para o Cais (Centro de Atenção Integral) de Jaguaribe, onde fui tratado e depois me encaminharam para a casa de acolhida. Agora só venho para rua para trabalhar lavando carros. Não quero voltar para a bebida de novo”, disse Romero.

Assim como ele, Carlos Santos, 37 anos, é atendido pelo programa e vive nas ruas de João Pessoa há 20 anos. Ele conta que o trabalho dos agentes sociais faz diferença no cotidiano dos moradores de rua. “São pessoas que nos dão apoio quando precisamos. Eu mesmo já estive passando mal e eles me levaram para ser atendido na UPA”, recordou Carlos, que também é lavador de carros.

Carlos prefere não detalhar os motivos de ter saído de casa para morar na rua, mas disse que vai aproveitar o apoio do Consultório para seguir um novo rumo na vida. “Tenho vontade de sair da rua e acho que posso conseguir com a ajuda deles”, afirmou.

Lições no trabalho – Na rotina de sair às ruas de João Pessoa para prestar assistência às pessoas em vulnerabilidade social, os integrantes do Consultório na Rua adquirem experiências que tomam como lições de vida.

Matheus Macedo é um dos agentes sociais que integra a equipe. Ele já foi usuário de drogas e acredita que seu trabalho é uma forma de contribuir para que outras pessoas também saiam do vício. “Tenho essa experiência como uma grande lição profissional. Porque, pelo que já passei, sei que poderia ser eu no lugar dessas pessoas. Então me identifico e aprendo com elas, na medida em que tento fazer algo para ajudar”, disse.

Tiago Sotero, enfermeiro do serviço, disse que atualmente percebe as ruas de forma diferente. “Quem passa por uma experiência diária dessas consegue resgatar uma essência de ser humano que talvez estivesse adormecida. É possível quebrar tabus e preconceitos em relação às pessoas que vivem nessa situação de rua”, afirmou.