Programa retira os moradores da rua e proporciona mais cidadania

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image_1Isac e Samara Moreno possuem em comum bem mais que o sobrenome. Ambos carregam consigo uma história de abandono nas ruas, e, posteriormente, um movimento de reinserção na sociedade. O caminho de volta precisou de muita força de vontade, mas também de um importante trabalho da Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), através do programa Ruartes. Apenas este ano, o programa conseguiu retirar 40 pessoas das ruas.

Hoje com 20 anos, Samara relembra sem nenhum saudosismo dos tempos em que viveu nas ruas. Ela diz que o Ruartes significou uma mudança de vida. Aos 12 anos, a jovem deixou as ruas e foi convencida a morar em um abrigo, onde teve a oportunidade de fazer cursos profissionalizantes, ser cadastrada no programa Minha Casa, Minha Vida e ter o acompanhamento psicológico, social, educativo e ainda assistência médica. Hoje, ela mora em um apartamento na comunidade Irmã Dulce, entregue pela prefeitura, com mais três irmãos, o marido e dois filhos.

“Quando o Ruartes me encontrou eu estava grávida e durante muito tempo eles tentaram me convencer a fazer o pré-natal, mas como eu estava nas drogas, nunca queria. Um dia eu aceitei. Foi aí que minha vida mudou. Eu sempre os via como amigos, mas não sabia que aquela decisão ia me renovar. Larguei as drogas e fiz todo o tratamento. Hoje estou podendo ajudar outros dependentes a sair desse caminho. Não tem nada melhor que o nosso lar. Meus filhos e meus irmãos são tudo pra mim e eu agradeço a Deus pelo Ruartes”, declarou.

Assim como ela, seu irmão Isac Moreno, de 19 anos, resolveu seguir o mesmo caminho. Esta foi a primeira semana de trabalho do jovem. “Estou trabalhando de auxiliar de almoxarifado. Agora vou ter a carteira assinada e receber um salário, assim, vou poder ajudar a Samara dentro de casa”, declarou orgulhoso enquanto exibia a farda do novo emprego.

Legislação – É dever do Poder Público assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, o lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade e o respeito. Dessa forma, o Ruartes, é especializado em abordagem social às pessoas em situação de rua, de vulnerabilidade e risco social em João Pessoa e encaminhá-los para programas assistenciais. Apenas este ano, o programa conseguiu retirar 40 pessoas das ruas e colocar em abrigos municipais e, em alguns casos, foi possível a reintegração familiar.   projeto_ruartes_foto_corneliofelipe (14)

O Ruartes acredita que é mais fácil sensibilizar as pessoas na abordagem através das artes, principalmente crianças e adolescentes, daí surgiu o nome do programa criado em 2006. Porém, apenas em 2009 ele se transformou em um programa municipal.

Atualmente, existe uma média de 100 pessoas dormindo nas ruas em locais como Lagoa, praças do Centro da cidade, marquise de lojas, mercado público e praia. No período diurno, 40 delas são atendidas diariamente no Centro Pop municipal. No local esses moradores de rua podem se alimentar, tomar banho e praticar oficinas e atividades lúdicas.

Como meta, o Ruartes tem o objetivo de garantir os direitos de crianças e adolescentes levando-os a se reconhecerem como sujeitos de direitos e prioridade absoluta, resgatar a cidadania de jovens, adultos e idosos com os vínculos familiares e comunitários rompidos e buscar na rede de assistência mecanismos que venham coibir o impacto do abandono na vida dos que vivem em situação de rua.

De acordo com a coordenadora do Ruartes e pedagoga, Maria Amparo dos Santos, o programa é responsável por proporcionar atendimento emocional, social, comunitário e educativo. “É um trabalho difícil, mas gratificante. Nem sempre conseguimos convencê-los a sair dessa situação. Estar na rua para muitos deles é fascinante, mas quando eles nos escutam, sabemos que ali está nascendo uma nova vida”, declarou. O Ruartes é composto por uma equipe de 17 educadores, cinco técnicos e dois motoristas, dividida em duas turmas, diurna e noturna.

Crianças e adolescentes  – A Constituição Federal brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente deixam claro que as crianças e adolescentes são, antes de tudo, sujeitos de direitos que devem contar com a prioridade absoluta das políticas e planejamentos sócio-econômicos. Dessa forma, as pessoas que ainda não atingiram a maioridade têm total primazia em atendimentos de socorro, proteção e serviços públicos em geral.

Segundo a pedagoga Amparo, a desestruturação familiar, a falta de investimento estatal em políticas sócio-educativas, o abandono, o falecimento dos pais, o abuso e a fome são alguns dos motivos que levam diariamente milhões de crianças e adolescentes a se exporem ao risco de viver sem qualquer amparo.

“É importante entender a complexidade do assunto e não culpar a criança de rua por sua situação. Os jovens não têm a adequada formação e maturidade que permite escolher o que é melhor para si, todavia, isso não anula o fato de que há que escutá-los e respeitá-los. No entanto, não se pode abrigar uma criança de rua contra a vontade do mesmo”, explicou a coordenadora do Ruartes.

Idoso “conquista” cidadania – Morador de rua há 30 anos, o aposentado José Faustino Alves da Silva, mais conhecido como “Cipó”, resolveu há 15 dias ir morar em um abrigo após inúmeras tentativas de convencimento da equipe do Ruartes. “Aqui eu tenho nome próprio, Cipó era na rua”, declarou. Ele contou que resolveu sair de casa porque a família era muito ignorante com ele. “Eu morava com minha sobrinha e ela passava o dia todo trabalhando e eu ficava na rua. Quando eu chegava em casa, todos eram muito ignorantes comigo porque eu bebia muito. Então eu resolvi sair de casa e morar na  rua”, disse.

José Faustino, como exige ser chamado, disse que só sai do abrigo se morrer. “Isso aqui é uma benção de Deus. Todo mundo é legal, tem comida, amigos para conversar, boas companhias até uma horta para eu cuidar. Daqui só saiu quando Deus me levar ”, declarou emocionado.

Segundo a pedagoga Maria Amparo, o acolhimento de José Faustino foi uma das grandes conquistas do Ruartes. “Eu lembro que ele falava assim: ‘homi, me deixe. A rua faz parte de mim. Parem de abusar. Eu sou da rua’. Mas a gente nunca desistiu dele e vê-lo bem é a maior satisfação da nossa equipe”, disse. Além de moradia, José Faustino recebeu roupas novas e faz tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Amparo completou dizendo que o Ruartes olha para os moradores de rua como cidadãos. “Sabemos que eles estão à margem e são vítimas de um processo que tira o direito de cidadania deles. Então, não os enxergamos como ‘coitadinhos’ e sim, como sujeitos que tem direito e que tentamos garantir”, afirmou.

Ainda de acordo com Maria Amparo, “A cada resultado que a gente ver é a certeza que estamos diminuindo o sofrimento dessas pessoas. Tem semanas que conseguimos levar para melhores caminhos um ou dois, mas há meses que não conseguimos nenhuma abordagem favorável. Mas a cada um que a gente conquista é um ganho para o ano inteiro”, declarou.

ruartes 1Atendimento Humanizado  – Independentemente de raça, sexo ou classe social, funcionários do Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio Burity, são orientados pela direção da instituição, a praticar um atendimento humanizado. O morador de rua, Francisco Inácio de Souza, 59 anos, retrata bem essa situação. Ele já deu várias entradas na unidade médica e, por esse motivo, se tornou conhecido dos profissionais de saúde do Ortotrauma.

No último dia 30, seu Francisco chegou ao Ortotrauma conduzido por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192). Debilitado e com feridas pelo corpo, o paciente que é alcoolista, foi submetido a uma higienização. Ele foi conduzido à unidade depois de uma abordagem do Ruartes.

“De imediato, ele já começou a receber tratamento específico para os ferimentos, que estavam cheios de miíase (doença caracterizada por larvas, popularmente conhecida como bernes)”, ressaltou a médica plantonista, Geovanna Brozeado.

Denuncie – Ao ver uma criança ou adolescente em situação de rua (pedindo esmola, dormindo nas calçadas, fazendo uso de drogas, sendo obrigada a trabalhar) é essencial notificar o Conselho Tutelar da região e exigir que a Vara da Infância e da Juventude apure o caso. A população pode ligar para o Ruartes, através do telefone 0800 282 7969, e uma equipe de educadores e assistentes sociais vai ao local.